Leilão bilionário de energia reacende ameaças ao Pantanal

Leilão Bilionário de Energia reacende ameaças ao Pantanal

Impactos do leilão de energia no Pantanal

O recente leilão de energia, celebrado pelo governo como um marco no avanço econômico e promissor na redução de tarifas, reacendeu preocupações sobre os impactos ambientais da geração hidrelétrica, especialmente em ecossistemas frágeis como o Pantanal. A saúde deste bioma depende das águas que fluem da parte alta da Bacia do Rio Paraguai, uma região agora ameaçada pela multiplicação de pequenas usinas hidrelétricas.

O evento, realizado em 22 de agosto, foi um dos maiores da política energética recente do Brasil. De acordo com o governo, os 65 projetos arrematados prometem trazer R$ 5,5 bilhões em investimentos, com contratos que somam R$ 26,6 bilhões. Contudo, a vitória econômica é questionada por especialistas que alertam para os riscos climáticos e socioambientais que essas usinas representam.

Preocupações com a Bacia do Alto Paraguai

Conforme um estudo do WWF-Brasil, a instalação de novas pequenas hidrelétricas na parte alta da Bacia do Alto Paraguai pode comprometer o fluxo de água essencial ao bioma, resultando em prejuízos econômicos de R$ 7 bilhões. Esses pequenos empreendimentos, que corresponderam a 92% do leilão, têm um desempenho inferior comparado a fontes renováveis alternativas, além de causarem perdas em pesca, turismo e serviços ecossistêmicos.

Atualmente, 58 hidrelétricas operam na região, a maioria delas pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e centrais geradoras hidrelétricas (CGHs). Outras 65 estão planejadas, o que representa uma ameaça significativa a um território considerado extremamente sensível. No último leilão, oito pequenas usinas foram arrematadas nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, embora ainda não haja confirmação se estão localizadas na Bacia do Alto Paraguai.

Flexibilização do licenciamento ambiental

Um dos principais receios dos ambientalistas é que, com o tempo, o processo de licenciamento ambiental se torne cada vez mais flexível. Recentemente, o Congresso aprovou regras que tornam esse procedimento mais rápido, enfraquecendo salvaguardas históricas. O licenciamento isolado de usinas fragmenta a análise dos impactos socioambientais, subestimando seus efeitos acumulados.

Uma resolução da Aneel de 2020 permite licenças rápidas e sem estudos de impacto completos para CGHs, o que acelera sua inserção nos territórios. Esse cenário preocupa especialistas como Cristian Felipe Rodrigues Pereira, que destaca que empreendedores frequentemente começam com projetos menores, estabelecendo relações locais antes de avançar para empreendimentos maiores.

Exemplos de impactos locais

Os efeitos das usinas são já perceptíveis em várias regiões. Em Pedro Gomes, no Mato Grosso do Sul, a PCH Cipó pode desviar até 80% do fluxo da Cachoeira Água Branca, ameaçando o turismo e as paisagens naturais. Mais ao norte, seis pequenas geradoras no Rio Cabaçal colocam em risco uma das últimas bacias sem barramentos nas nascentes do Pantanal.

No Mato Grosso, rios anteriormente utilizados para turismo e esportes foram barrados em série, criando uma situação comparável à da usina de Belo Monte, mas com impactos ambientais e sociais equivalentes, embora com menor geração de energia. Na bacia do Rio Juruena, o povo Enawene enfrenta dificuldades para manter rituais tradicionais devido à escassez de peixes, uma consequência direta das barragens.

Desmatamento e alternativas energéticas

O desmatamento é outro fator que agrava a situação. De acordo com levantamentos do MapBiomas, quase metade das áreas de preservação permanente na parte alta da Bacia do Alto Paraguai já foi desmatada, reduzindo o reabastecimento de rios e aquíferos e tornando a região ainda mais vulnerável diante da crise climática.

O WWF-Brasil destaca que a energia projetada pelas usinas leiloadas poderia ser gerada através de um mix de fontes renováveis, como eólica, solar, biomassa e biogás, que não dependem de água. Essa seria uma estratégia mais sustentável, especialmente considerando os impactos das mudanças climáticas, como a redução das chuvas e a diminuição dos cursos d’água regionais, que ameaçam a viabilidade dos investimentos contratados.

Desafios e críticas ao modelo atual

Os contratos firmados no leilão são de 20 anos, mas há incertezas quanto à disponibilidade de água para gerar eletricidade no futuro. Análises indicam que a vazão dos rios da Bacia do Alto Paraguai pode cair até 16% até 2055. Estudos também mostram que o Pantanal perdeu cerca de 61% de sua superfície de água em comparação com as médias anuais.

Além das preocupações ambientais, há críticas sobre os subsídios que mantêm as pequenas usinas operando. Silvia Zanatta, do WWF-Brasil, argumenta que a sociedade paga por empreendimentos que geram prejuízos coletivos. Essas usinas não ajudam a regular o sistema elétrico e não acumulam água como as grandes hidrelétricas, desmistificando a ideia de que funcionam como ‘baterias’.

Posição do governo e setor privado

Apesar das críticas, o governo defende a importância das pequenas usinas. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirma que elas causam menor impacto ambiental e complementam outras fontes, como solar e eólica. Ele ressalta que essas usinas estão espalhadas pelo território nacional, reduzindo a necessidade de grandes investimentos em corredores de transmissão.

Alessandra Torres, presidente da Associação Brasileira de PCHs e CGHs, reforça a vocação hídrica do Brasil e destaca que há 13 GW inventariados para PCHs, que poderiam atrair R$ 100 bilhões em investimentos, gerando 1 milhão de empregos e dobrando a geração firme. No entanto, ela critica o que considera um ‘discurso ambientalista míope’ que dificulta o avanço desses projetos.

O futuro da matriz energética brasileira

Diante desse impasse, o Brasil enfrenta o desafio de não restringir suas escolhas energéticas a uma lógica de curto prazo. A crise climática demanda uma conciliação entre viabilidade econômica e proteção ambiental, respeitando os direitos das comunidades tradicionais e indígenas.

Ambientalistas e cientistas argumentam que os custos ambientais e sociais das pequenas hidrelétricas superam os benefícios prometidos. Eles defendem a exclusão dessas usinas dos planos de expansão na Bacia do Alto Paraguai e pedem incentivos para fontes realmente sustentáveis. O futuro da matriz energética brasileira depende de escolhas que considerem a sustentabilidade e a proteção dos biomas.

Os contratos desse leilão são de 20 anos. E, se daqui há 15 anos, não tivermos mais água suficiente para gerar eletricidade? Como fica a contratação dessa energia?

ProjetoInvestimento (R$ Bilhões)Contratos (R$ Bilhões)Número de Usinas
Leilão de 22 de agosto5,526,665

Fonte: oeco.org.br

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